Reportagem Especial | Artigo Nº65: apertem os cintos (de segurança) – Parte I

Por que, mesmo depois de tantos anos, o cinto de segurança ainda continua a ser ignorado por parte dos motoristas e passageiros?


Capa: Conexão Automotiva


    Você já se perguntou quem criou algumas das coisas que são utilizadas em nossa rotina? Quem inventou a vital energia elétrica ou quem inventou a internet, que possibilita que você leia esta reportagem, por exemplo? Pois bem, nem sempre todos possuem nomes na ponta da língua, mas Benjamin Franklin é considerado o pai da energia elétrica; já a internet, como a conhecemos hoje, foi desenvolvida por Tim Berners-Lee, no não tão distante ano de 1989. Mas e as demais criações, por ora, mais simples, porém também tão essenciais, como o cinto de segurança? Você sabe quem a desenvolveu?

    De certa forma abnegado, o cinto de segurança foi patenteado pelo francês Gustave Désiré Liebau, no início do século passado, mais precisamente no ano de 1903, na França. Mas há relatos de que ele surgiu ainda antes, por meio de um engenheiro inglês chamado George Cayley, para uso em seu planador, já com a função de retenção, em meados do século XIX. Em razão disso, engana-se quem pensa que o item apareceu, primeiramente, na indústria automobilística. Apesar de ser usado como protótipo por Cayley e patenteado por Liebau, o item de segurança ganhou primeira ascensão em um momento bem crítico da história: a Segunda Guerra Mundial. 

    Apesar de não saber ao certo quando o cinto de segurança foi criado, por conta da falta de informação concreta, é incorreto afirmar que ele foi criado por um ou por outro. Fato é que o seu uso se tornou muito importante no século passado, quando o equipamento foi criado para facilitar a vida dos pilotos de aviões, impedindo que estes fossem arremessados para fora das cabines durante a aterrissagem. E, assim como acontece com muitas invenções, ela pode ser reaproveitada para uma outra segunda serventia: diminuir o risco de lesões graves em caso de acidente.


Foto: Conexão Automotiva


    Criado com o propósito de atender finalidades da aviação e posteriormente reaproveitado, o cinto de segurança se provou como um ótimo equipamento de retenção dos seus usuários. Com o aumento da frota de automóveis em todo o século passado, logo se contabilizava um aumento de acidentes em que os ocupantes eram, muitas vezes, arremessados para fora do veículo ou se chocavam contra peças internas, como volante e painel. Nos carros, o cinto de segurança começou a ser usado no final da década de 1940, com o cinto de dois pontos, que passa apenas pela região abdominal. De acordo com a história automotiva, o primeiro automóvel a usar o equipamento foi o Ambassador, da extinta Nash Motors, em 1949. A marca norte-americana instalou o equipamento em cerca de 40.000 veículos, na época, mas não era item de série. 

    Apesar de benefícios aos ocupantes, surgiram os primeiros movimentos contra o cinto de segurança, que aparecem praticamente com o lançamento do Nash Ambassador. De um lado, pesquisas científicas. De outro, uma pressão popular de quem não queria usar o cinto. Entre o final dos anos 1940 e o início da década de 1950, acalorados debates nos EUA começaram sobre sua eficácia e, a partir deles, foram estimulados os primeiros (e grandes) mitos de se usar o cinto: “e se ele me causar ferimentos?”, “E se ele me impedir de fugir em caso de acidentes?” ou “E se o carro for submerso/pegar fogo, como soltá-lo?”, entre outras perguntas que aterrorizavam o imaginário social. Deste modo, se uma parte da população nutria essa percepção negativa, a outra mantinha uma postura cética sobre sua eficácia. E é justamente nessa época que também surge o clássico: ‘usa quem quer’. 


Propaganda do Nash Ambassador (esq) e da Ford em 1955 (dir), quando revelou o cinto como opcional / Fotos: Divulgação


    A opinião pública em relação ao uso do cinto de segurança poderia chegar a medidas mais extremas: por medo, houve quem decidisse cortar os cintos dos seus veículos. Outra prática corriqueira de alguns consistia em ir até uma concessionária e, sabendo que determinada unidade contava com o equipamento, o mesmo ficava no showroom da loja por mais tempo que os demais veículos sem o cinto instalado. A Ford vendia o cinto de segurança como um opcional para alguns modelos, mas poucos quiseram aderir: cerca de 2%. Essa prática da Ford, de oferecê-lo como opcional, aconteceu nos EUA, a partir de 1955. No mesmo ano, o estadunidense Glenn W. Sheren entrou com pedido de patente em 31 de março de 1955 com o cinto de segurança, que é considerado o antecessor do cinto de três pontos como conhecemos hoje. 


Registros de patente feitos nos Estados Unidos, de Glenn W. Sheren, em 1955 | Fotos: Reprodução


    As imagens de patente mostram que ele é uma combinação de um cinto de dois pontos com uma faixa que atravessa transversalmente o peito, mas que não era fixado na coluna, como os cintos que conhecemos hoje. A patente mostra que a parte transversal do cinto era fixada atrás do banco, no assoalho. Ainda era necessário afivelar o quadril e a faixa transversal. Essa patente era uma atualização do registro feito por Sheren, em 1952. Já em 1958, a Saab apresentou o GT 750, no Salão do Automóvel de Nova Iorque, pioneiro por ser o primeiro carro com o cinto como equipamento de série, com o cinto de dois pontos. E é aí que surge Nils Bohlin, contratado pela Volvo em 1958. Anteriormente projetista de sistemas de ejeção de pilotos para a indústria aeronáutica, Bohlin, então primeiro engenheiro de segurança da Volvo, criou o cinto de segurança de três pontos que conhecemos hoje em 1959, que passa pelo abdômen e pelo tórax, com o cinto do tórax fixado na parte interna da coluna B das portas. O item foi usado pela primeira vez no Volvo PV544, lançado no dia 13 de agosto de 1959.


Registro da patente do cinto de Nils Bohlin nos EUA | Foto: Reprodução


Bohlin aparece com a sua criação (esq) e uma propaganda da Volvo com uma mulher usando o cinto (dir) | Fotos: Divulgação


O Saab GT 750, primeiro com cinto de série (esq), e o Volvo PV544, primeiro com cinto de três pontos como conhecemos (dir) | Fotos: Divulgação


    No Brasil, o cinto de segurança só se tornou obrigatório para instalação nos automóveis novos na década seguinte, mas seu uso ainda não era obrigatório. Isso aconteceria anos depois. De lá para cá, muita coisa mudou, para melhor. Mas, por um outro lado, criar uma cultura de segurança nos condutores para usar o cinto de segurança é um debate atual até hoje. A partir de agora, você confere a nossa Reportagem Especial | Artigo Nº65: apertem os cintos (de segurança) - Parte I. Nesta edição, falaremos sobre os primeiros dois tópicos.


SUMÁRIO

  • O cinto de segurança no Brasil
  • Brasil, apertem os cintos. Dados e perfis, aí vamos nós
  • Níveis de segurança do cinto de os riscos de não utilizar
  • No banco traseiro, o uso é tão necessário como na frente
  • Os fatores psicológicos
  • Legislação e formação de condutores
  • Manutenção do cinto, um ponto a ser lembrado
  • A tecnologia em favor da segurança
  • Sim ao cinto, pela sua segurança



O cinto de segurança no Brasil

    

    No Brasil, o cinto de segurança possui uma história que podemos qualificar, de certa forma, como inovadora. Aqui, ele se tornou obrigatório em 1968, sendo uma exigência em todos os veículos zero-quilômetro produzidos a partir de 16 de janeiro de 1968, de acordo com o decreto Nº 62.127, sendo aprovado pelo recém-criado Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Os trâmites para fazer com que o item fosse um equipamento obrigatório começou no dia 21 de setembro de 1966, quando o Contran foi instituído. Ele trouxe a regulamentação das vias terrestres, onde ruas, avenidas, estradas, caminhos, passagens, praias e logradouros de domínio público passaram a ter que respeitar as regras do Conselho.

    No país, a lei que obrigava que todos os veículos vendidos no país tivessem cinto de segurança para os ocupantes, se tornou efetiva poucos anos depois. Comparado com países de primeiro mundo (como no caso do Reino Unido e dos Estados Unidos, que exigiram que os carros tivessem o equipamento em 1966 e 1968, respectivamente), ou seja, o Brasil pode ser considerado um dos pioneiros na exigência do item. Antes, os carros podiam contar ou não com o cinto de segurança, uma vez que o equipamento nasceu ao fim da década de 1940. Em 28 de fevereiro de 1967, um decreto-lei alterou um pouco o decreto inicial, com a exclusão de alguns artigos. Foram necessários mais alguns meses até que a obrigatoriedade em veículos 0km começasse a valer, mais precisamente em 16 de janeiro de 1968, quando o então Presidente da República, do período militar, Artur da Costa e Silva, decretou o regulamento do Contran.


Foto: Conexão Automotiva


    Em 11 de maio de 1972, por meio do processo Contran nº 53/72, para melhorar a segurança dos veículos produzidos no Brasil, surgiu a Resolução Nº 461/72. Essa resolução ouvia sugestões da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e obrigava que automóveis produzidos no país tivessem que satisfazer alguns requisitos, como a ‘Localização e Identificação dos Controles’. Nesse caso, o motorista, usando o cinto de segurança, deveria ter total alcance operacional de uma série de comandos usados durante a condução, como direção, buzina, transmissão, ignição, faróis, indicador de mudança de direção, limpador e lavador do para-brisa, afogador e para-sol lado do motorista.

    A obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, no entanto, aconteceria depois. E ela passou por idas e vindas que por muitas vezes confundiram a população. Ele se tornou obrigatório em 29 de julho de 1983, com a Resolução Nº 615, que entrava em vigor em 1º de janeiro de 1984. Inicialmente, sua obrigatoriedade se daria apenas em rodovias. Em 1º de abril de 1984, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) iniciava então a fiscalização do uso do item em estradas. Em 1º de janeiro de 1985, um ano depois da obrigatoriedade em estradas, ele passou a ser obrigatório também no perímetro urbano. 

    Mas a lei sobre seu uso obrigatório parecia ter alguns oponentes. Em um documento que consta no Portal da Câmara dos Deputados, um Projeto de Lei (PL) do então deputado Juarez Bernardes, tramitou em 1984, pouco tempo depois do equipamento ser exigido nas estradas. O PL 3126/84 queria tornar facultativo o uso do cinto de segurança em veículos. Junto com a proposta, o deputado acrescentou que a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança “[...] trata-se de medida bastante controvertida e que tem provocado inúmeras reações. Autoridades de renome têm vindo a público esclarecer que, em determinadas situações, o uso do cinto de segurança é altamente nocivo à integridade física do motorista ou dos passageiros”, dizia ele, na época.


O PL 3126/84 que pretendia tornar o uso do cinto de segurança facultativo, debatido em 1984, arquivado em 23 de outubro de 1984 | Foto: Câmara dos Deputados | Organização: Conexão Automotiva


    Apesar da tentativa, este Projeto de Lei foi arquivado em 23 de outubro de 1984. Você poderia me dizer: “vida longa ao uso do cinto de segurança!” e eu responderia com um “calma lá”. Pouco menos de um ano depois, já em 1985, a obrigatoriedade seria revogada tanto nas estradas como nas cidades, como destaca Maria Helena Hoffmann, no artigo “Aspectos comportamentais dos condutores e o uso do cinto de segurança”, publicado no livro Comportamento humano no trânsito. A autora ainda relata que os diálogos sobre a obrigatoriedade do cinto de segurança só seriam retomados três anos depois, em 1988. A Resolução 720/88 fazia o Contran passar a obrigar novamente condutores e passageiros a usarem o cinto de segurança em rodovias federais.

    Sendo uma prioridade do Programa Nacional de Segurança de Trânsito (Pronast), apresentado pelo então Presidente da República, José Sarney, foi lançado, em 21 de julho de 1988, e aprovado, em 4 de outubro do mesmo ano. Após a aprovação, ela passou a vigorar no dia 1º de janeiro de 1989, valendo para as rodovias. Foi a partir daí que a PRF começou a fazer não só fiscalização, mas campanhas educativas para a conscientização dos ocupantes de veículos. Assim como aconteceu antes, novamente houve reclamações. De acordo com um documento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de Brasília (DF), muitos cidadãos inconformados com a volta da obrigatoriedade levaram a questão ao Judiciário, argumentando que a exigência administrativa violava o princípio da legalidade. 

    Este princípio, traduzindo do juridiquês, significa que ninguém é obrigado a agir, fazer ou não fazer nada sem que seja em virtude da lei. Isso porque a obrigatoriedade de uma resolução não possui força de lei. No entanto, o Presidente da Corte, o juiz Vieira da Silva, sabendo da parcial razão dos protestantes com base no princípio da legalidade, optou por manter a Resolução 720/88. Uma vez que o desrespeito à norma poderia gerar prejuízos para a “ordem, a segurança e à economia públicas”, de acordo com o TRF1. Na visão do juiz, ao manter os efeitos da resolução, optou-se pelo direito à vida e à segurança, constitucionalmente assegurados em lei. 


Foto: Conexão Automotiva


    Estes direitos foram considerados mais importantes que o direito “sobre a vida”, esclarecendo uma ordem hierárquica mais relevante. “Logo, entre os princípios da ‘indisponibilidade da vida e da saúde’ e o ‘da liberdade de agir’, o ordenamento jurídico pátrio optou pelo primeiro, na medida em que não admitiu a legitimidade", acrescentou o TRF1 ao relembrar sobre a sentença. Para a obrigatoriedade em ciclo urbano, as primeiras medidas começaram por iniciativas dos próprios municípios. Cidades como São Paulo (SP), Brasília (DF), Curitiba (PR), Manaus (AM), Campinas (SP) e Santos (SP) foram algumas das primeiras a exigirem a obrigatoriedade do uso do cinto na cidade, entre 1994 e 1995.

    A obrigatoriedade ganhou a abrangência nacional apenas a partir de 1º de janeiro de 1998, quando foi instituído o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Este foi aprovado meses antes, em 23 de setembro de 1997, pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Nele, o Artigo 65 destaca: “É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN”. Depois disso, o item passou a ser obrigatório até os dias de hoje. O passar dos anos trouxe mais evoluções no sentido de dispositivos de segurança. Algumas delas foi a de que os carros zero-quilômetro passassem a ter obrigatoriedade do sistema de fixação Isofix de cadeirinhas, bebê conforto e assentos de elevação.

    Trazendo pontos de ancoragens para a fixação destes equipamentos nos bancos, o sistema Isofix ajuda a preservar a vida de crianças de até 10 anos, em diferentes níveis. Crianças de até um ano utilizam o bebê conforto. De um ano a quatro anos de idade, utiliza-se cadeirinha, enquanto de quatro a sete anos e meio se usa o assento de elevação. Nesse último caso, a criança já pode usar o cinto de segurança do veículo. É recomendado que esse equipamento seja utilizado até os 10 anos de idade ou até a criança ter 1,45 metro de altura. Alcançada esta altura, ela já pode utilizar o banco traseiro apenas com o cinto de segurança do veículo e o transporte no banco dianteiro é recomendado a crianças a partir de 10 anos, também com uso obrigatório do cinto de segurança. 


Sistema de fixação Isofix nos bancos dos automóveis | Foto: Volkswagen / divulgação


    Mas o que acontece se você deixar de utilizar o cinto nas crianças? Os pais ou responsáveis que não levarem as crianças nos seus respectivos equipamentos de segurança de acordo com a idade podem ser multados e ter o veículo apreendido até que a irregularidade seja corrigida. Há algumas exceções à regra, como transportes coletivos, escolares, veículos de aluguel, táxis e veículos com Peso Bruto Total (PBT) superior a 3,5 toneladas. Em veículos menores, as exceções ficam por conta daqueles que possuem apenas a primeira fila de bancos, onde a criança será transportada com os equipamentos de segurança, porém no banco dianteiro. O uso destes recursos é obrigatório desde 2008 por conta da Resolução Nº 277/2008, que determina a utilização dos equipamentos para transporte de crianças. 

    Houve uma alteração por meio da Resolução Nº 819 do Contran, de 17 de março de 2021, sobre a obrigatoriedade do assento de elevação para crianças menores de 1,45 metro de altura que já tenham completado sete anos e meio de idade. A obrigatoriedade desses equipamentos para o transporte de crianças de até 10 anos é responsável por reduzir em 71% o risco de morte em caso de colisão. De acordo com o Criança Segura, a principal causa de mortes de crianças de um a 14 anos são com acidentes de trânsito, de acordo com dados do Ministério da Saúde, ou seja, urge a necessidade de que os pequenos também estejam protegidos com seus respectivos equipamentos de contenção.



Brasil, apertem os cintos. Dados e perfis, aí vamos nós

    É inegável que o cinto de segurança é um equipamento que reduz danos em acidentes. Todo mundo que fez a sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) a partir de 1998, já com as normativas do CTB e previsto em seu Art. 65º, sabe disso. E quem a fez antes, claramente ouviu que as regras e a sua obrigatoriedade mudaram. Se antes era opcional, passou a ser obrigatório. E por mais que muitos até entendam que sua obrigatoriedade traz segurança, ainda não o utilizam. De acordo com a seção de dados abertos no portal da Polícia Rodoviária Federal, o Anuário, relativos ao ano de 2023 (último anuário disponível porque os dados de 2024 ainda estão em fase de compilação), por dia, são autuados 571 condutores pelo não uso do equipamento, seja por motorista ou passageiros.


INFOGRÁFICO I



Dados do número de infrações de 2007 a 2023, de acordo com o Anuário da PRF de 2023 | Fonte: PRF | Organização: Conexão Automotiva

Em todo ano de 2023, foram 208.761 autuações registradas no país. Apesar do volume alto, é o menor índice desde o pico de 2020, quando 271.377 autuações foram feitas. Essa queda consecutiva, no entanto, deve ser rompida em 2024. De acordo com Vítor Fernandes, coordenador de policiamento e fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, em entrevista para o Conexão Automotiva, os dados mostram que, em 2024, houve um aumento de até 5% em relação ao ano anterior na quantidade de autuações pelo não uso do cinto de segurança. Fernandes ainda explica um dos motivos dessa queda consecutiva notada no período 2020-2023.

    “Entre 2020 e 2022, a gente tem uma particularidade, onde a partir de 2020 nós tivemos a pandemia e tínhamos uma quantidade menor de veículos circulando, então você tem uma tendência a reduzir essa parte de infrações. Porém em 2024, já levantando dados aqui, nós temos, em relação a 2023, quase 5% a mais de autuações pela falta do uso de segurança.”, disse o Policial Rodoviário Federal, Vitor Fernandes.

Dentre todas as autuações realizadas pelo Anuário 2023 da PRF, a não utilização do cinto de segurança aparece entre as 20 autuações cometidas mais comuns. Foram 123.682 registros por motoristas que não usam o cinto de segurança (a oitava maior infração cometida) e outras 85.079 infrações cometidas por passageiros que não usam o cinto (sendo a 11ª autuação mais notada naquele ano). Juntos, os dois resultaram no total de 208.761 registros de não uso do cinto de segurança em 2023. Em termos comparativos, os motoristas respondem por 59,25% e 40,75% são cometidos por passageiros. 
Ainda falando de Brasil, se percebe mais alguns dados sobre os estados onde ocorrem mais infrações do cinto de segurança. De acordo com o Anuário da PRF de 2023, a infração por não uso do cinto de segurança é um ponto crítico em três estados. São eles: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Somados, os três estados respondem por 42,61% de todas as autuações pela não utilização do equipamento do cinto em todo território brasileiro. Minas Gerais é o estado que lidera essa lista com 30.869 autuações deste tipo em 2023, seguido pelo Rio Grande do Sul (29.299 registros) e o Rio de Janeiro (28.786 registros). Para se ter uma noção da disparidade, Santa Catarina e Paraná aparecem em quarto e quinto, possuem 16.453 e 16.256 registros, respectivamente, quase metade de cada um dos três primeiros.

INFOGRÁFICO II
Mapa do Brasil que mostra os principais estados com as maiores quantidades de infrações de não uso do cinto de segurança em 2023 | Fonte: PRF | Organização: Conexão Automotiva

    O estado de São Paulo, o mais populoso do país, é o sexto da lista com 12.095 registros em 2023. Os dados também mostram os dias com maior frequência destas infrações no país. Os dias sexta-feira, sábado e domingo são os principais dias que ocorrem autuações do não uso do cinto de segurança, até por conta de uma certa obviedade. Um maior fluxo de veículos nas estradas para viagens curtas, por exemplo, poderia dar conta de responder essa questão. Há também um pico de horário em que as infrações acontecem. Geralmente a partir das 10h e 11h pela parte da manhã, das 16h e 17h pela parte da tarde e das 21h e 22h à noite. Quando questionado sobre estas predileções de dia e horários para o uso de cinto de segurança, Vitor Fernandes explica. “Todas as regiões você tem dentro da sua volumetria de fluxo de veículos, os horários de pico. Então em alguns horários de pico, devido a uma maior quantidade de veículos, um estudo específico da polícia onde nós direcionamos nossa fiscalização para certo tema. Então nossos estudos são feitos sobre comportamento do condutor nas macro e micro regiões que nós temos e direcionando nossa fiscalização, para ficar mais assertiva sobre os temas propostos.”, destaca em entrevista.
    Os dias e os horários também podem estar ligados com a ida e o retorno dos motoristas às suas cidades de origem ou viagens curtas, especialmente no final de semana. Além disso, é preciso destacar outros dados, como o perfil do infrator. Pelo menos, aquele que é mais comum de infringir a lei, mas que não é regra, de acordo com nossas fontes. Para a Polícia Rodoviária Federal, condutores e passageiros com uma faixa etária de 15 a 38 anos e condutores com mais de 60 anos são os mais propensos a infringir a lei, como destaca Vitor Fernandes. 

    “Nós temos condutores/passageiros entre 15 a 38 anos do sexo masculino, então você tem uma faixa etária grande e ampla. Também condutores maiores de 60 anos, aí já vai de ambos os sexos por conta da falta de mobilidade de afivelar o cinto e às vezes até mesmo de cultura anterior, onde eles vem de gerações que não era necessário o cinto de segurança e que ainda não se adaptou nessa mudança cultural do uso do cinto de segurança.”, diz Vitor.

    Além disso, em abordagens, não é muito comum ouvir algumas desculpas por parte de condutores e passageiros ao serem cobrados pela falta do item. Para Fernandes, muitos condutores e passageiros possuem medo de acidentes de trânsito e se acontecer de o veículo pegar fogo ou até mesmo de cair em um rio/lago. Algumas condutoras e passageiras grávidas também possuem o receio com o bebê, por medo de machucá-lo. Em relação a este medo de mulheres grávidas com o cinto de segurança, o médico de tráfego, Álysson Coimbra, destaca que isso não passa de um grande mito.

    “Esse é um mito perigoso. Mulheres grávidas devem sim usar o cinto de segurança para proteger tanto a mãe quanto o bebê em caso de colisão. No entanto, é essencial que ele seja utilizado corretamente para evitar compressão excessiva sobre o abdômen. Além disso, gestantes devem evitar dispositivos ilegais que afastam o cinto do corpo, pois eles comprometem a segurança. Em caso de dúvida, sempre seguir as recomendações médicas e do fabricante do veículo.”, destaca Coimbra.

    De acordo com ele, existe uma forma correta de mulheres grávidas usarem o cinto de segurança de três pontos. A primeira é a parte subabdominal, inferior, que deve ficar abaixo da barriga, ajustada sobre os ossos do quadril e nunca sobre o abdômen. Um segundo cuidado é que a parte diagonal do cinto, a superior, deve cruzar o meio do ombro e passar entre os seios, sem pressionar diretamente a barriga. Por fim, o terceiro cuidado é que o cinto precisa estar firme, mas também precisa estar confortável. Ele precisa ficar sem folgas para garantir a melhor proteção para as gestantes. Nós também entramos em contato com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, a Abramet, para falar sobre o assunto. Complementando, a associação destaca.

    “O uso do cinto de segurança pelas gestantes é fortemente recomendado pelos médicos do tráfego, com orientações universais sobre o tema por meio da diretriz médica de segurança no trânsito durante a gravidez e puerpério. Este equipamento reduz o risco de complicações obstétricas, tais como: parto prematuro, rotura uterina e placenta prévia.”, destacou Áquilla Couto, Diretor de Comunicação da Abramet, em entrevista. 

    Existem outros fatores que levam os condutores e passageiros a não usarem o equipamento. Outros mitos ou absolvições que são utilizados, de acordo com Álysson Coimbra, são: 1: o trajeto é curto; 2: o banco traseiro é seguro; 3: eu sou um bom motorista; 4: o meu carro é seguro; 5: o cinto de segurança aperta, amarra ou é desconfortável; e 6: eu vou conduzir devagar. “Essas desculpas refletem uma falta de conscientização sobre os riscos reais da não utilização do cinto de segurança”, adiciona Coimbra. A Abramet, por meio de Áquilla Couto, também destaca que grande parte dos receios de condutores/passageiros em relação ao uso do cinto, que são mitos, estão atrelados ao uso irregular do equipamento. “Posicionamento dos pés no painel, retirada dos dispositivos de retenção das crianças precocemente, bancos reclinados que facilitam o movimento de ‘mergulho’ são exemplos que tornam o equipamento mais ineficiente.”, destaca Couto.
    Essa busca por um perfil mais detalhado desses condutores, contactamos dois psicólogos de tráfego, Eduardo Cadore e Fábio de Cristo. Para Eduardo Cadore, psicólogo de tráfego, professor em cursos de formação e atualização de condutores e instrutor de trânsito em uma escola de formação de condutores, existem alguns perfis mais definidos que cometem a infração. Cadore entende a existência de condutores com perfis extrovertidos e introvertidos, cada um com uma tendência de comportamento.

    “Um perfil mais extrovertido é uma tendência para caminhar para o lado de não cumprimento de regras. Já o introvertido que é uma pessoa mais fechada em si e estabelece relações sociais mais limitadas, ela pode ter traços que fazem com que ela se sinta segura ao cumprir a norma e para ela faz sentido tudo aquilo que ela aprendeu no processo de formação de condutores. Isso lhe dá um senso de segurança. Então tem esses perfis que não é um problema em si, não significa que um perfil extrovertido é um mau condutor ou que um introvertido vá respeitar regras. Mas é um perfil que a gente conseguiu identificar já em pesquisas que apontam essa maior facilidade de acolher as regras, porque as normas de trânsito são positivas. Ninguém pergunta para o cidadão se ele quer, ele aceita ou se ele concorda, então o primeiro impacto é esse choque de realidade de dizer ‘olha você tá contando com segurança e não tem porque’, tem que usar. [...] Então essa imposição para algumas pessoas é suficiente e para outras pessoas é justamente a imposição que faz com que ela não queira cumprir. Então tem esses aspectos de perfil.”, destaca Cadore.

    Já para Fábio de Cristo, psicólogo de tráfego, professor e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e editor do site Psitrans, um outro tipo de perfil psicológico pode ser traçado. 

    “Em termos psicológicos, com características de comportamentos impulsivos e agressivos, nesse caso, de mais jovens. Existe uma dimensão do amadurecimento do cérebro, de funções cerebrais, por exemplo, que são mais na região frontal que estão mais relacionados ao controle de impulsos. Muitos dos comportamentos inseguros, na juventude, também têm por base um amadurecimento cerebral que vai acontecer a partir dos 21 anos. Então tem que ter essa uma questão biológica e neurobiológica de amadurecimento e tem as diferenças por sexo.”, acrescenta Fábio na discussão.

    No mesmo ponto, Eduardo acrescenta.

    “Também a gente nota que essa agressividade é muitas vezes atrelada socialmente à masculinidade como fator preocupante. Quando a gente faz uma avaliação de um jovem de 18, 19, 20 anos e até um pouco mais, a gente percebe muitas vezes naquela avaliação, os traços de agressividade que estão voltados muitas vezes para o comportamento externo. Então é justamente a manifestação dessa agressividade. Todos nós temos um grau de agressividade, de inconformismo e de não querer fazer da forma que foi dita, é natural. Todo dia do nosso trabalho a gente faz algo que não gostaria, mas a grande maioria das pessoas consegue contornar, focar nossa energia em outra coisa e a pessoa que tem um traço de agressividade mais exacerbado, ela tende a manifestar isso no comportamento direto no outro.”, diz Cadore.

    Além desses perfis psicológicos, é importante destacar outros perfis mais simples, como o fato de que grande parte dos infratores de trânsito são homens e jovens, algo que foi destacado por ambos nas entrevistas. Tanto Eduardo como Fábio também ressaltaram a existência de perfis ou indicativos que podem explicar condutas fora da lei, como fatores sociais, educacionais, de fiscalização e infraestrutura – ou a falta destes pilares. Isso afeta a própria segurança destes ocupantes porque, ao optar por não utilizar o cinto de segurança, tanto o condutor quanto os passageiros escolhem por correr riscos em relação à sua integridade física, especialmente em casos de acidentes. Mas isso é um assunto para os próximos tópicos, nas seguintes partes desta reportagem.

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